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10 de nov. de 2023

Discurso, História, Ideologia e sua relação com a linguagem


Em seu livro Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos, (2015); Eni P. Orlandi, nas primeiras páginas, apresenta reflexões acerca da linguagem, além disso, efetua observações no que se refere aos impactos que os fatores externos (sociais) podem gerar para o discurso. Somos seres complexos e falhos por natureza, consequentemente, a linguagem, assim como nós, está sujeita a equívocos. Como estamos inseridos em uma sociedade composta por diversos indivíduos, iremos nos deparar não só com diferenças culturais, inclusive, variadas formas de pensar, mas também com semelhanças; com histórias e ideologias, com outros. Podemos notar ou não, mas temos uma forte ligação com a linguagem, uma vez que fazemos parte dela e ela de nós. Logo, se pensarmos em neutralidade numa sociedade tão diversificada com indivíduos que estão inseridos na história e também são interpelados pela ideologia, iremos notar uma demarcação ou até mesmo uma tendência pessoal de significar o mundo e isso se mostra na linguagem. Nas palavras da autora: "Estamos sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. Não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos." (p. 7).

Diferente da Linguística, que trata das questões linguísticas considerando a interioridade, a Análise de Discurso (AD) trata dessas questões considerando a exterioridade. Enquanto para a primeira o que interessa é o sistema linguístico e não o falante, para a segunda o que interessa é um objeto que envolve não só a língua, mas também o falante. Se a primeira desconsidera o falante, consequentemente não há interesse na história do mesmo. A linguagem é trabalhada como se fosse abstrata, existe porque existe e nela mesma. Neste sentido, passa a também ser transparente. Mas, segundo a autora, há espessura, há opacidade na linguagem. A Análise de Discurso trata a linguagem em um sentido material, pois leva em conta não só a língua, mas também a história e a ideologia. Logo, não considera a linguagem como abstrata nem tampouco neutra. Segundo a linguista: "A primeira coisa a se observar é que a Análise de Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando (...)." (p. 14). Por lidar com o homem falando, com a língua no mundo etc., dizemos que a Análise de Discurso não se prende, não se fixa, porque os sentidos mudam, há sempre sentidos outros que, muitas das vezes, vêm de outros lugares. "As palavras falam com outras palavras. Toda palavra é sempre parte de um discurso. E todo discurso se delineia na relação com outros: dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória." (ORLANDI, 2015, p. 41).

Sendo assim, a Análise de Discurso também muda e faz isso junto com o mundo. Nessa movência, problematiza as áreas vizinhas como, por exemplo, a Linguística, que está presa, já definiu seu objeto (sistema linguístico) e se restringiu a ele. No caso da AD, o objeto de estudo é o discurso. Mas não nos referimos à fala; já que, independentemente, se tratamos da oralidade ou da escrita, o que interessa são os efeitos de sentidos entre os locutores. Isto é o discurso. Tal palavra traz em si a ideia de curso, de percurso, de movimento. Conforme Eni Pulcinelli, "o discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando" (p. 13). Como não somos pares, mas sim ímpares, estamos sujeitos à linguagem e a seus equívocos; se pensarmos em uma comunicação perfeita estaremos fugindo da realidade, já que até mesmo os sentidos são vários e não são exatos. Numa comunicação onde temos aquele que fala e aquele que ouve, não temos somente transmissão de informações, mas também temos sentidos presentes nesse processo. Portanto, há um jogo de significação presente não só naquele que fala, não só no discurso, mas também naquele que ouve. Neste contexto, a Análise de Discurso trabalha a relação língua-discurso-ideologia, uma vez que a linguagem se materializa na ideologia, o discurso é a materialidade específica da ideologia e a materialidade específica do discurso é a língua.

Louis Althusser, em seu livro Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado (1998), no capítulo antepenúltimo, nos leva a refletir acerca da interpelação que a ideologia faz para com o indivíduo. Nós nascemos em um mundo marcadamente ideológico, portanto, de certa maneira, acabamos por fazer parte desse acontecimento e, consequentemente, acabamos por significar-se e significar o mundo. Por exemplo, nós possuímos um nome e isto já é fundamental neste mundo, porque faz parte de nossa identidade, não nos referimos só ao documento, mas a quem somos. Isto é tão forte, no entanto, não notamos. Suponhamos que alguém lance a pergunta "Quem é você?" em determinado lugar para mais de uma pessoa. Terá alguma delas que irá responder "Sou Fulana(o)!". Vai dizer o próprio nome. Isso não ocorre por acaso, há uma motivação que leva uma pessoa a responder A ou B e isto faz parte do processo de significar-se. A Análise de Discurso não quer saber quem é o sujeito da frase, ela quer saber quem é esse sujeito no mundo, quer saber o que, por exemplo, leva tal pessoa a dizer seu próprio nome diante da pergunta: "Quem é você?". Bem, se nos tirarem o nome, se não perdermos parte de nossa significação, nós a perderemos toda. De acordo com Althusser (1998, p. 94), "a categoria de sujeito só é constitutiva de toda a ideologia, na medida em que toda a ideologia tem por função (que a define) «constituir» os indivíduos concretos em sujeitos". Ou seja, em sujeitos concretos. Entretanto, antes de virmos ao mundo, somos abstratos. Só passamos a ser concretos quando chegamos ao mundo. Mas ainda, segundo o autor, somos "sempre-já sujeitos", até mesmo antes de nascermos; “os indivíduos são sempre-já sujeitos… Que um indivíduo seja sempre-já sujeito, mesmo antes de nascer, é no entanto a simples realidade (...)” (p. 102).

Se voltarmos ao tempo em que éramos só uma ideia ou um desejo de um casal, neste momento, somos abstratos. Mas se avançarmos um pouco para a fase de gestação e depois de geração, neste momento, passamos a ser concretos, justamente por estarmos no mundo, em uma família, por já termos um nome e um gênero. Estes últimos já são pensados antes mesmo de virmos ao mundo. O que quebra a expectativa é justamente quando, por exemplo, espera-se gênero X e vem Y. Mas, independente de qual venha, já se desenha um caminho para se percorrer, já se pensa em quais roupas vestir, a cor do quarto, os brinquedos, as amizades etc. É um "sujeito-já" mesmo. Pensando em linguagem, já nascemos em um contexto marcado por ela também. Tal pessoa nasceu em tal país que possui tal língua, consequentemente essa pessoa irá aprender essa língua. Mas por que aprende essa língua e não outra? Porque há uma espécie de programa, isso recai na história, recai na ideologia, recai na língua, recai no sujeito. Nós não temos o discurso, ele é que nos tem. Não temos a ideologia, ela é que nos tem. Nisto fazemos sentido, mas estes não são determinados pela nossa vontade. Eles fazem sentido porque estamos inscritos na língua e na história. Segundo Orlandi, “(...) embora se realizem em nós, os sentidos apenas se representam como originando-se em nós: eles são determinados pela maneira como nos inscrevemos na língua e na história e é por isto que significam e não pela nossa vontade” (p. 33). Isto nos leva a refletir sobre determinada coisa e não outra fazer sentido para nós. De certa forma, faz sentido porque estamos naquilo e aquilo está em nós. A palavra "sorte", por exemplo, não vai significar a mesma coisa para uma pessoa sortuda e para uma azarada, nem tampouco "azar" vai significar a mesma coisa para ambas.

Concluindo, todos nós, de certa forma, somos colocados na posição sujeito; neste caso, sujeitos do discurso. Por exemplo, eu, enquanto indivíduo ao escrever, sou um sujeito-autor; eu, enquanto indivíduo que ler, sou um sujeito-leitor; eu, enquanto indivíduo que analisa, sou sujeito-analista etc. Quem faz isso conosco é a ideologia. Até mesmo se pensarmos nos preconceitos que circulam na sociedade, notaremos que não nascemos já preconceituosos, mas que por estarmos inseridos em um mundo já de preconceitos, iremos nos deparar várias e várias vezes com eles diante de nós ou em nós. Dizer-se não preconceituoso equivale a negar estar na ideologia quando, por exemplo, acusa o outro de estar nela. Althusser (1998, p. 101) chama a atenção para essa "denegação prática do caráter ideológico'', que ele diz ser um dos efeitos da ideologia. Para a Análise de Discurso interessa essa ideologia materializada na linguagem. Somos afetados pela língua e pela história. Sendo assim, todo discurso é marcadamente ideológico.

Bibliografia

ALTHUSSER, L. P. A ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. Ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998. pp. 93-104.

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: Princípios e Procedimentos. 2. ed. Campinas: Pontes, 2000. I. O Discurso E II. Sujeito, História, Linguagem pp. 15-52.

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29 de abr. de 2023

Resenha do Livro "Preconceito Linguistico: o que é, como se faz?"


O livro “O preconceito linguístico: o que é, como se faz” aborda, de modo geral, uma temática social que, inclusive, nomeia a obra. Apesar de um teor teórico e normativo a respeito do português brasileiro, o autor buscou criar um material acessível, com uma linguagem mais simples e entendível, visando leitores letrados e pouco letrados. Importante intelectual brasileiro, Marcos Bagno, tem inúmeras publicações sobre a língua falada no país, como “A língua de Eulália”, “Gramática de bolso do português brasileiro", entre outras. Além de professor e escritor, é também linguista e doutor em filologia. Em o “Preconceito linguístico: o que é, como se faz”, publicado em 1999, Bagno retoma questões sociolinguísticas de maneira mais imersiva em comparação a seu outro livro, “A língua de Eulália” de 1997. Essa obra publicada em 1999 está vinculada aos estudos linguísticos, mais específico sociolinguístico, sobre o português, trazendo uma visão crítica sobre a gramática, sobre os gramáticos e apresentando uma visão mais ampla sobre o uso da língua por seus falantes. 


O livro está dividido em quatro capítulos que, dividem-se em tópicos que se relacionam e se remetem ao tema que intitula o capítulo. Por exemplo, no capítulo um, os tópicos estão relacionados e se remetem ao tema do capítulo. Da mesma forma, todo o texto se remete ao tema geral do livro. No capítulo um, intitulado “A mitologia do preconceito linguístico”, o autor apresenta o conteúdo a ser visto e depois expõe oito mitos sobre o português falado no Brasil, onde enumera cada mito, do um ao oitavo, e os nomeia com frases corriqueiras ditas por estudiosos ou por alunos, a respeito da língua portuguesa, como por exemplo, “Brasileiro não sabe português/ “Só em Portugal se fala bem português”, “Português é muito difícil”, “O certo é falar assim porque se escreve assim”, entre outras. 


No discorrer dos mitos, Bagno vai discutir, por exemplo, acerca da visão estreita de intelectuais que pensam na existência de uma “unidade linguística” ou de uma “homogeneidade da língua”, não considerando as questões geográficas e sociais que evidenciam o “alto grau de diversidade e variabilidade” do português brasileiro. O autor também vai destacar que muito se compara o português de Portugal com o do Brasil e vai expor trechos de materiais publicados por intelectuais, onde há falas de forma preconceituosa sobre o uso do português brasileiro. Ele também apresenta dados estatísticos, faz distinções gramaticais entre o português europeu e o brasileiro e vai salientar sobre a falta de um olhar social e até geográfico da parte dos especialistas que não se atentam para as variações linguísticas que ocorrem de uma região para outra e também não se atentam para a situação que permite ou não que um indivíduo se torne mais letrado. De modo geral, no primeiro capítulo, Marcos Bagno vai comentar sobre questões importantes que podem influenciar na aprendizagem de um falante da língua e vai expor os mitos recorrentes na sociedade a respeito da língua portuguesa que evidenciam a existência do preconceito linguístico. 


No capítulo 2, a priori, o autor vai justamente apontar que os mitos transmitidos e perpetuados na sociedade são resultado de um mecanismo, o “círculo vicioso do preconceito linguístico” que é composto por três elementos: a gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos. O linguista ainda mostra como se forma essa tríade, apontando que começa com a gramática que vai parar num livro didático que vai ser utilizado no ensino. No capítulo três, Bagno fala sobre a desconstrução desse preconceito, a começar por exemplo pelo reconhecimento de que o problema existe e o que deve ser feito para combatê-lo, neste sentido, mudar de atitude e olhar com outros olhos para o ensino do português. No capítulo quatro, o autor disserta sobre o preconceito para com a linguística e para com os linguistas, destacando que mais se encara a linguagem a partir da gramática tradicional do que pela linguística moderna. Resumidamente, ele comenta sobre o estilo de ensino arcaico fundamentado numa metodologia ultrapassada e faz críticas construtivas aos falares sobre o português. Na introdução do livro, Bagno nos chama a atenção para a sua comparação, onde a gramática é um igapó e a língua um rio, ou seja, a gramática é uma poça de água parada às margens da língua, já esta é o rio em movimento. 


Na contracapa há um comentário publicado numa revista que salienta sobre a confusão que muito se faz entre língua e gramática e enaltece a separação muito bem feita pelo Marcos Bagno em seu livro. É uma obra excelente e muito informativa. Ela realmente diferencia e esclarece o que é gramática e o que é língua. Resumindo, faz o leitor enxergar a linguagem por outros ângulos, um fator que o diferencia de tudo que já vimos ou ouvimos um dia sobre a língua portuguesa, principalmente na escola. Não é uma obra excludente, mas sim inclusiva. Destaca o papel do linguista nos estudos acerca da linguagem e combate o preconceito. Recomendo a leitura. 


Por Ruan Vieira 

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